segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Gato de Armazém

Vivias entre caixas,
 dormias sobre sacas...
Dormias
e vivias a cima,
bem a cima...

A pele brilhava,
balouçava sob a mínima brisa...
Brilhava
e balouçava,
com o minúsculo vento que adentrava,
à mínima
e minúscula fresta da imensa porta de ferro...

porta que hora se abria
 ferro que hora se fechava.
Tinha apenas
e sempre,
 um dos olhos cerrados,
e um sorriso leve de lado,
(sempre muito irônico...)

Vivias infinitamente alto
superior a qualquer humano...

Enquanto em baixo,
 rente ao chão de terra,
 homens digladiavam-se....

 Suores escorriam pelas testas,
 sangues pelos semblantes,
 (tão graves,
  tão tristes...)

Suores misturavam-se com sangue fervente,
 no duelo,
 de quem possuía mais,
quem possuía menos,
quem dava mais,
 quem dava menos,
quem tirava mais,
 quem tirava menos...

Enquanto isso,
o felino,
(comerciante de sucesso,
empresário de talento...)
Vivia de brisa...
Enchia os pulmões
e levemente sorria...
Enquanto outra varria os pêlos cinza...

Era apenas um bichano,
animal inofensivo...
Já os outros,
esses não.
Esses eram gatunos,
seres sem estirpe...

 O tempo transcorria como locomotiva,
 e os homens digladiavam-se na arena capitalista...
 Arrancando-se a si,
 arrancando-se a si em vão...

E do alto o gato,
hora abria um olho,
hora cerrava o outro...
Sorria no canto dos lábios,
ria com a ponta dos bigodes...
(sempre muito baixinho...)
Sorria
e ria,
sonhando
e delirando,
com outro mundo,
com nova humanidade...

sábado, 4 de janeiro de 2014

O Cheiro

De onde vens?
De onde está surgindo esse cheirinho?
O cheiro entra e sai pelo bule...
O cheiro entra e sai pela xícara...
O cheiro entra e sai pela porta...
O cheiro entra e sai pela janela...
O cheiro entra e sai pela mínima fresta...
Sobe,
paira nos ares...
Paira por sobre todos os objetos,
por sobre todos os utensílios...

O cheiro se impregna na alma dos ares...
Alma boa,
alma que põe a mesa,
alma que circunda por sobre toda a atmosfera...

Os cheiros concentram-se,
unificam-se,
homogeneízam-se
e intensificam-se mutuamente...

E ao longe,
há uma montanha imensa,
montanha onde milhares de grãos sobrepostos,
concentram-se,
unificam-se,
homogeneízam-se
e intensificam-se mutuamente.

E além de muitas cercas,
de muitos pastos,
de muitas estradas,
de muitas montanhas,
de muitas léguas,
de muitas milhas,
há uma plantação bendita,
onde o cheiro brilha...

Brilha sob o sol da manhãzinha...
E tudo se liga a tudo,
tudo se soma a tudo,
tudo se multiplica a tudo,
tudo se potencializa a tudo,
todos os sentidos encaixam-se mútuos...
Cada olfato,
cada tato,
cada visão,
cada audição,
cada paladar,
cada sentido palatável...

O cheiro abarca cada mínimo resquício de espaço,
cada mínimo resquício de grão de terra...
E o cheiro transcende...

Transcende fazendas,
divisas,
municípios,
estados,
países,
continentes,
mundos...

E transcende em comunhão,
todo o universo...

Parece que nada existe,
parece que nada existiu
e parece que nada existirá jamais...
Nada além do que invade tudo,
do que abarca tudo,
do que transcende tudo,
tudo absolutamente...