terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pintura

Uma cama imensa,
coberta por seda cor de sangue...
E um travesseiro branco,
feito de pena de ganso...
(O que não se sabe,
 tão pouco se está à mostra....),
(Um objeto que abarca toda a extensão...)

Sob o lençol,
sobre o leito,
nus,
estendem-se dois corpos,
e o tecido cobre apenas o baixo-ventre...
Deixando á mostra os seios
e  sendo o mesmo que cobre das costas,
o meio...

Dobra-se um braço sob a cabeça,
(um muque extraordinário...),
e a mão percorre levemente os cabelos,
(de cima para baixo,
uma felicidade angelical...)

Os seios debruçam-se sobre o peito
e o queixo escora-se sobre o dorso de duas mãos...
Os sorrisos são doces...
Os sorrisos são leves...
Os sorrisos são sensuais...
Os olhos miram profundamente os olhos,
tornam-se eternos...

Esfinge Convulsiva (para Bárbara Cotta)

Moça:
Existe algo que eu não consigo deslembrar,
desprender...
Uma noite,
uma data,
um instante,
um local...
Esquecer ou lembrar,
far-me-ia um imenso bem,
far-me-ia um terrível mal...

 Estava eu debruçado a um balcão
a pedir uma bebida...
(talvez tequila...)
Sozinho,
Tranquilo...
 Sempre como aquele que nunca quer,
sempre como aquele que nunca pede,
 sempre com aquele que tão pouco nunca exige nada... 
(Quem sou eu para exigir...?)
Surge-me você...
Porta-se bem em minha frente
 e mantém-se calada...
 calada e linda...
 Olhos brilhando
 e um corpo desajeitando...
Uma forma inigualável de ser,
uma forma inigualável do ser...

Por um segundo,
(por um segundo apenas...)
formou-se entre nós um enorme silêncio...
Silêncio abissal entre mim e você...
 Quando ressoou de repente,
 no vácuo entre nós existente,
 sua voz assim me dizendo:
 -"Eu te amo..."
 -"O que?"
-"Eu te amo muito..."
-"Ah, você está blefando!"
-"É verdade, é verdade eu te amo,
 eu te amo muito,
 eu amo muito você..."

Todo o tempo paralisou-se ali...
 e eu agora tenho na memória,
 apenas e principalmente,
 esse seu silêncio absoluto,
sua lembrança mal ecoada em mim eternamente...
Minha saudade ficou à sós,
 lá,
neutralizada na conde de Irajá,
perdida naquela noite,
 inconsolável naquela esquina,
 prostrada naquele bar...
 Fazem dois anos...
 Fazem dois infinitos longos anos
 que eu nunca mais te vi...
A vida,
(minha vida...)
Ficou muito cheia de segundas mal resolvidas
e esclarecidas intenções...
 (suas intenções...)

Mas você se resolveu
e transcendeu...
E parece-me que para sempre,
parece-me que para nunca mais...
Com o seu abandono,
 deixou-me pressionada na laringe,
a ponta de uma esfinge,
(sua esfinge...),
(sua esfinge convulsiva...)
Você me faz falta...
Você me faz muita falta...
Você me faz tanta falta...
E agora,
onde andará Bárbara Cotta?
Uma mentira contada com muita sinceridade,
mais parece verdade...
(Sua mentira,sua verdade,eu não sei...)

Rua dos Poetas (Para Alberto Pucheu e Antônio Cícero)

Eu moro na rua dos poetas!
Eu vivo na rua dos poetas!
E nessa rua,
eu os encontro todos os dias!
A calçada vive sempre muito cheia de versos...
Versos indo e vindo
e eles sempre sorrindo...
Os versos pintam nossos corpos,
temo-los inscritos
e registrados por sob nossas peles.
Temo-los impregnados
e eternizados por sobre nossos ossos...
Trocamos poemas, prosas e canções,
mil impressões...
Jamais olhares
ou confissões,
cartas, poemas, prosas ou canções de amor...
Tantos significados,
tão significantes...
Bom é morar na rua dos poetas!
Bom é viver na rua dos poetas!
Não há nada melhor do que conviver com esses poetas!
Nada!

A Moça do Outro Lado (Para Fernanda Aguiar)

A moça atravessou a rua como se atravessasse o mundo!
Porque?,
Para que?
Porque
e para que uma moça atravessaria a rua para me falar?
Logo comigo,
tão sem brios...
Solitário e vazio,
vadio na mesa de um bar...

 Eu não sou nada,
eu não possuo nada,
não posso ter,
nem ao menos posso ser...
Eu cá com meu botões,
tão bêbados...
Recolhido em minha total insignificância
 e irrelevância,
tomando cerveja sozinho na mesa...

Vem a moça,
 atravessa a rua...
Vem-me e atravessa-a,
como se atravessasse o mundo para me sorrir...
Penso que ela desejará xingar-me,
socar-me,
escarrar-me,
lançar-me seus cães,
virar-me as costas calada
 e calada sair...

E penso,
que é justamente isso o que eu mereço...
Eu não mereço nada além de seu desprezo,
nada além de uma raiva transparente
e de um ódio ignorante...

Mas não,
ao invés disso,
a moça atravessa a rua
e mostra-me o seu sorriso,
(um semblante feliz...)
Será que não vê que sou apenas um fantasma?
Fantasma
sem amantes,
sem amores,
sem amigos
e sem conhecidos,
na mesa de um bar,
solitário
e tão sem brios...

A irrelevância de minha insignificância,
comparada à sua extrema importância,
superioridade
e altivez,
a ela chega a ser ameaça...

Mas a moça atravessou a rua para me falar,
a moça atravessou o mundo para me sorrir,
a moça atravessou-me mesmo assim...
Para nunca mais,
nunca mais...